27 fevereiro 2006

Queria o mar...

Queria ter a imensidão do mar no pensamento e seguir pelas fragas do contentamento, sem pisar mediocridade.
Queria ir, pé ante pé, pelos corais e pela visão assimilar toda a beleza concretizada com rigor pela natureza.
Queria ficar lá no fundo até salgar; morder o sal como quem trinca pastilha.
Brincar com os cardumes como quem baila em solidão no meio de muita gente.
Queria ser polvo e agarrar todos os sonhos mas concretizar um de cada vez, para poder viver as emoções como quem nada pela primeira vez.
Mas intangível é tudo o que quero do mar porque afinal eu nunca aprendi a nadar.

Na lama

É uma ilusão a continuidade.
Só a sucessão de interrupções
pode garantir a firmeza do futuro.

Como ladrilhos, todos diferentes,
mas que vão compondo o caminho.

Quando faltam, chove o pranto
e formam-se poças lamacentas que toldam as ideias.

Mas há sempre espaço para construir novo caminho,
para encontrar uma nova direcção e contornar a lama.

Dificil é continuar sem pedaços de terra seca
a obstruir o pensamento com recordações.

21 fevereiro 2006

Ficções nocturnas

Há uma força que me prende.
Um não fazer ocioso e incauto.
Sonhar é mais fácil, mais seguro.
Ninguém falha verdadeiramente nos sonhos.
A não ser quando se vê acordar e, de regresso à realidade,
se enlaça de novo na cadeia de acções fúteis e quotidianas.
Quero adormecer com uma ideia cheia de esperança.
Não com a ideia de me concretizar
durante as ficções nocturnas que a minha mente encena.
Antes deitar-me com a vontade de dormir depressa
e acordar refeita do medo. Arriscar.

Sombra e silêncio

São dias e dias de sombra fria, amarga.
Meses de silêncio.
Os sonhos dão à palavra companhia a mesma força da solidão
e amornam as horas mais longas. Um sorriso.
Apressam-se os ponteiros, desvanece-se a conversa, volta a sombra.

20 fevereiro 2006

Loucura ténue

Um desvario de loucura ténue
ou um ataque de fusões mentais;
quem sabe se até uma saudável inconsequência.
Acordo com a mesma noção de nulidade, com a transparência do contentamento sujeito a
caprichos vãos.
A vida desce, desce o labirinto e vai segurando as suas garras no corrimão da escrita.

Abraço irreal

A afectação à sensatez e exigência de actos
mostra-se cada vez mais profunda.
Apartadas de si mesmas,
as ideias escorrem pela tristeza despejada no rosto.
E são cada vez mais longos os despojos da alma.
Tão longos como a consciência de nunca abraçar, na realidade,
o que abraço milhões de vezes em sonho.