09 agosto 2006

Arredondada e balofa

Já passaram alguns anos desde que ela chegara embrulhada no celofane, novinha em folha, com as penas bem esticadas na barriga e com todos os vincos no sítio certo.

A primeira fronha que a adornou ainda tinha uns motivos juvenis, a denunciar alguma juventude, tal como os dois bonecos meio escondidos numa decoração que ia no encalço da idade adulta.

Ela é a Almofada Arredondada e Balofa, que vive num quarto por onde já passaram alegrias, tristezas, euforias e desesperos.

Como todas as da sua espécie vive para almofadar insónias e tranquilizar o sono. Mas, ao contrário de todas as outras, não tem sido arma de arremesso nas guerras que aquecem os ímpetos dos amantes, nem o descanso onde eles se deixam cair exaustos.

A Almofada Balofa é solitária. E gosta de ser. Vive nos sonhos que absorve toda a noite para respirar e conhece os segredos mais secretos, os desejos mais arrojados e os medos mais atemorizadores.

Tem dias em que acorda já o sol se pôs e, de novo, se vê esmagada contra um peito dormente de ausência. Antes de adormecer, afaga os cabelos da cabeça confusa que se deita, como se quisesse retirar-lhe todo o sofrimento e aumentar-lhe as alegrias que por lá vão passando.

Mas hoje era um dia diferente. Ia chegar companhia. A azáfama dos últimos dias, as limpezas de fundo e os lençóis lavados a cheirar a alfazema anunciavam que algo de novo ia acontecer.

Ela vestiu a sua melhor fronha, ajeitou os vincos e esperou, com uma pose estudada quase como se fosse almofada de sala, que algo de novo acontecesse. Duas horas depois, chegou o momento. Acabava de entrar no quarto um ser fantástico, de cuja espécie só tinha ouvido falar nas histórias que a avó Amarfanhada lhe contava.

Parecia vindo de um mundo onde ninguém dorme. Era alto, esguio e tinha um olhar profundo. Era o travesseiro mais elegante e envolvente que já vira. Outros por lá tinham feito breves passagens, mas nunca se tinha criado antes aquele sentimento de conforto e compreensão.

Logo que foi libertado do embrulho que o protegia do pó do mundo lá de fora, rebolou até à cabeceira ajustando-se entre o colchão e a madeira como se aquele tivesse sempre sido o seu lugar.

...

2 comentários:

Anónimo disse...

Quando bater à tua porta outro travesseiro com as qualidades do teu envia-mo, tá? É que também tenho uma almofada só não é redonda e balofa...
E quando a tua história tiver um fim quero saber!

Anónimo disse...

Pois é, faltam-lhe uns anjinhos brincalhões...